Quem passa em frente ao El Mercado Ibérico, um restaurante e empório espanhol na Bela Vista, não imagina que ali dentro acontecem os ensaios de uma peça de teatro sem igual. Basta subir alguns lances de escada — sentindo um cheiro maravilhoso de camarão no azeite — para encontrar Bruno Fagundes, Reynaldo Gianecchini e mais dez atores repassando as 89 cenas de A Herança, espetáculo do dramaturgo americano Matthew López. Sim, 89 cenas.
Com cinco horas e meia de duração, divididas em dois dias de apresentação, a peça retrata diferentes gerações da comunidade gay dos Estados Unidos para refletir sobre o legado de cada uma delas. A montagem estreia em 9 de março, no Teatro Vivo.
É a primeira versão em língua estrangeira da peça original, que fez enorme sucesso ao estrear em Londres, em 2018, e ganhou quatro prêmios Tony — o mais importante do teatro americano — ao passar pela Broadway, em 2019.
O enredo trata de um grupo de jovens escritores que decide contar a história deles próprios, inspirados no romance Howards End, do autor britânico gay E.M. Forster, no qual os narradores são também personagens. Eric (Fagundes) é um jovem que vive um relacionamento conturbado com Toby (Rafael Primot), um dramaturgo deslumbrado com a fama.
Prestes a ser despejado de um apartamento em Nova York, Eric se envolve com Henry (Gianecchini) e Walter (Marco Antônio Pâmio), um casal mais velho que viveu as dores da epidemia de aids nos anos 80 e 90. “O Henry gera certa contradição por ser gay e apoiador do Partido Republicano. É como se, no Brasil, ele fosse um gay ‘bolsominion’ ”, brinca Gianecchini.
O projeto tem significados particulares para Fagundes e Gianecchini, que passaram a falar publicamente sobre manterem relações homoafetivas. “A peça me inspirou a assumir minha sexualidade”, diz Fagundes.
Para Gianecchini, a montagem é parte de uma nova fase da carreira, na qual prioriza iniciativas que tratem de diversidade. “Apesar de o pano de fundo ser a comunidade gay e as dores causadas pela epidemia de aids, é um texto que fala sobre humanidade. Todos se identificam com os personagens e seus dilemas”, diz.