Praia do Futuro

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O mar azul e infinito, começa a história entre Konrad, interpretado pelo alemão Clemens Schick, e Donato, por Wagner Moura. O primeiro se afoga nas ondas revoltas do mar da Praia do Futuro, enquanto o outro aparece para salvá-lo. A partir daí a história se desenvolve em torno dessa relação, dividida entre Fortaleza e Berlim.

Praia do Futuro, o filme profundo do diretor Karim Aïnouz é também sobre morte, procura, amor e abandono, tendo dessa vez, o universo masculino como fundo. O filme é dividido em três partes, que são belamente intituladas. Há durante toda a história a presença do medo do desconhecido, o que Donato faz é se jogar em uma nova vida como se estivesse caindo na imensidão do mar, sem saber o que esperar e sem olhar pra trás.

Percebe-se que existe uma preocupação do diretor em mostrar esteticamente a diferença entre Fortaleza e Berlim, através das cores e da fotografia do filme, que mudam de acordo com a temperatura. Na praia existe a presença dos corpos, pele e cores quentes, na fria Berlim que é retratada, esses corpos se escondem, a iluminação e os tons estão mais escuros.

As muitas cenas silenciosas nos fazem refletir sobre a necessidade da abundância do uso de falas nos filmes atuais, até que ponto tudo precisa ser dito e explicitado para nos fazer compreender a história? Quanto menos falas o filme possui mais nos atemos ás suas imagens, e assim é possível perceber a poesia através delas, aquilo que não nos é entregue de forma mastigada nos proporciona a percepção por outras formas: uma música, um toque, um gesto, um olhar mais demorado. Isso fica notório através da dança dos corpos dos personagens nas cenas, do enquadramento e da fotografia. O filme, que não é fácil, parece um quebra- cabeça de fotografias, é um mergulho numa obra de arte com imagens cheias de sinestesia.

Dessa forma tudo aquilo que realmente é dito durante a história ganha um peso ainda maior, e o ápice de toda a poesia do filme se faz presente na cena final em que Dontato lê um trecho de uma carta que mandaria ao irmão que foi deixado para trás, com nuances e sutilezas que só aqueles com alma mais intensa podem perceber a beleza. Wagner Moura consegue imprimir em Donato caracterísiticas bem próprias do personagem, se distanciando completamente do famoso Capitão Nascimento e faz um maravilhoso trabalho corporal.

Jesuíta Barbosa, conhecido pelo longa Tatuagem, leva um lado cômico a seu personagem Ayrton em meio ao drama e mais uma vez prova seu talento ganhando espaço no cinema nacional, através das cenas intensas com Wagner, que faz seu irmão na trama. Além disso, surpreende nas cenas em que fala alemão. O menino Savio Ygor Ramos, que faz Ayrton na primeira parte do filme, merece destaque por sua interpretação mimética e alegre de uma criança que sonha em ser super herói, arrancando boas risadas do público.

Karim, em seus filmes, gosta de falar do amor, do abandono e do sexo como algo natural e carnal como deve ser e é. Costuma tratar esses temas sem muitas frescuras, e talvez por isso crie seus personagens com uma forma peculiar de lidar com os problemas, procurando se afastar do existencialismo em meio às crises.

Diante de tanta intolerância e alarde sobre a temática do filme, o que só serve para provar a falta de preparo de determinado público para conseguir enxergar a profundidade no cinema que foge do senso comum, Karim falou do amor através da arte, foi poético e introspectivo, e fez isso tudo sem parecer piegas ou exagerado. E por mais que todos já estejam avisados das cenas de sexo gay, não julgo esse o ponto que realmente deveria ter sido colocado em foco, mas a intensidade com que os personagens se relacionam, o amor e a saudade. Acima de tudo, Praia do Futuro é um filme que trata da saudade, palavra cheia de significações, medo de perder e distância. Saudade é amor e falta ao mesmo tempo, é como se um fosse só meio, e só quando dois se encontrassem, fossem inteiro. E no fim, ele lembra a todos nós que morrer é bem diferente de fazer do amor a nossa morada: ”Escrevo pra dizer que eu não morri, só voltei pra casa.”