Cientistas conseguiram identificar tipos de cena e até que filme estava sendo exibido medindo o ar da sala de cinema. Segundo eles, público altera quimicamente o ambiente quando reage aos estímulos da narrativa.
As emoções realmente ficam no ar quando se assiste a um filme no cinema, afirmaram cientistas alemães da cidade de Mainz. Um estudo feito por eles mostra que a plateia altera quimicamente o ar dentro das salas de exibição à medida que reage a estímulos do filme. Com base nisso, os cientistas afirmaram que podem até mesmo determinar qual é o filme ou que tipo de cena está sendo exibida na telona.
Os pesquisadores anexaram equipamentos de análise de ar no sistema de ventilação de um cinema e mediram alterações nos níveis de dióxido de carbono (CO2), acetona (C3H6O) e isopreno (C5H8) dentro de uma sala de cinema. A acetona é um gás solúvel (no sangue e na água) que tem sido associado ao catabolismo de gordura. O isopreno é um gás insolúvel ligado à síntese de colesterol.
“Esperávamos ver uma mistura aleatória de [elementos químicos de] jaquetas de couro, perfumes, pipoca, refrigerantes”, comenta o coordenador do projeto, Jonathan Williams, do Instituto Max Planck de Química. “Mas notamos uma certa quantidade de picos no mesmo momento, a cada repetição do filme.”
Reações químicas acompanham narrativa
Durante o filme ”Jogos vorazes: em chamas’‘, por exemplo, as emissões dos espectadores subiram consistentemente até o pico, tiveram uma leve queda em seguida e retornaram ao nível máximo num ponto crítico da saga de aventura e ficção científica.
Padrões quase idênticos de emissões ocorreram durante as quatro apresentações do filme, em dezembro de 2013, permitindo que os pesquisadores conseguissem identificar o filme somente por meio de sua impressão única no ar da sala do cinema. “Há uma ação química paralela, que ocorre na sala sempre que o filme é exibido”, diz Williams.
O cientista montou esse projeto depois de ter organizado um experimento com o time de futebol do Mainz, da Bundesliga. A ideia era medir as emissões dos cerca de 30 mil torcedores que assistiam a uma partida para ver se seres humanos exalam um conjunto globalmente relevante de produtos químicos. Williams garante que não, mas havia uma segunda questão: qual é a reação química a um gol.
Como a partida do Mainz foi um empate sem gols, Williams e sua equipe decidiram procurar um ambiente mais previsível: o cinema. “É perfeito. É um caldeirão de reações”, diz Williams. “Você meio que coloca as pessoas dentro dele, as faz rir, as assusta. Elas entregam suas reações respirando, e nós apenas as medimos na parte de trás do cinema.”
Suspense pode ser visualizado
A equipe de pesquisadores analisou as reações de cerca de dez mil espectadores que, juntos, assistiram a 108 exibições de 16 filmes. Entre eles estão Jogos vorazes: em chamas, o filme infantil Caminhando com os dinossauros e a comédia alemã Buddy.
Após as apresentações, um grupo de analistas da Universidade de Mainz processou os dados num supercomputador de 278 teraflops. Os resultados permitiram que os cientistas identificassem, com razoável grau de precisão, que tipo de cena estava sendo exibida com base unicamente nas emissões.
A plateia exalou os lotes mais identificáveis de moléculas para cenas de “ferimento”, seguidas de cenas categorizadas como “escondido”, “mistério” e “se escondendo”, todas consideradas subcategorias do rótulo “suspense”.
“Os sinais estão aí”
Os autores esperam que os resultados do estudo sejam usados por colegas do relativamente jovem campo da análise medicinal da respiração, que é a tentativa de identificar traços químicos de doenças, como câncer ou doenças do fígado, medindo exalações humanas.
Uma conclusão do estudo é que o estado emocional de uma pessoa pode alterar drasticamente as moléculas exaladas, independentemente se há uma doença. Isopreno, por exemplo, é exalado quando o colesterol no corpo é sintetizado. Em outras palavras, ele é liberado sempre que a pessoa se movimenta – por isso os níveis aumentam quando o público deixa a sala de cinema.
Mas esse é apenas um mecanismo de liberação, e pode não ser a única razão de o isopreno ser exalado enquanto se assiste a um filme. “É porque você prende a respiração? Ou porque está com medo? Ou se contorcendo?”, questiona Williams. “Não sabemos ainda. Tudo o que dissemos até agora é que os sinais estão aí.”
O pesquisador pretende ainda analisar melhor a diferença de emissões entre adultos e crianças, já que ambos exalam moléculas diferentes devido a diferenças no metabolismo. O texto integral do estudo pode ser lido online no site da revista científica Nature, em inglês.