O filme Livre, que em seu título original, Wild, faz muito mais sentido, é baseado em fatos reais. Conta a história da jovem Cheryl (Reese Witherspoon), que vê sua vida desandar numa espiral de drogas, esbórnia, desamor e descontrole após o episódio doloroso da morte de sua mãe, Bobbi (Laura Dern, verdadeira especialista em fazer papéis de doces mães no cinema), de uma forma rápida e devastadora. Bobbi era uma pessoa que via a alegria nas menores e mais improváveis coisas da vida, e quando se vai leva junto de si a força, determinação e vontade de viver de Cheryl.
Com uma narrativa não linear, o filme começa com Cheryl se preparando para fazer sozinha a travessia de 1100 milhas pela costa do Pacífico (Pacific Crest Trail- também conhecida como PCT), fazendo o espectador ficar imaginando qual é o real objetivo de todo aquele sacrifício. Descoberta que só fica realmente clara, quase chegando ao fim. Uma forma de prender o espectador que funcionou bastante.
Ambientado na natureza e em florestas dos EUA, passando pela fronteira com o México e com Canadá, as paisagens se alternam: uma hora neve até os joelhos, outra o árido clima quase sem árvores e o sol que racha a terra. A fotografia belíssima contribui para a dinâmica do filme, que não é cansativa. O que seria totalmente esperado de um filme que acompanha uma mulher fazendo uma trilha por 3 meses. No entanto, o diretor consegue cativar a atenção do espectador até o fim, mesclando as cenas da trilha solitária com cenas que remontam o passado de Cheryl, explicando assim os motivos que a levaram a isso.
Os cortes lentos e a inibição de sons durante cenas de fúria, gritos e desespero dão força ao sentimento de solidão que acompanha a história. Como um eco em nossa própria mente. É poética a cena em que sob o pôr do Sol, a protagonista conversa com a única mulher que encontra fazendo a mesma trilha, ela pergunta pra Cheryl se ela não se sente sozinha durante a viagem, e ela responde: “Me sinto mais sozinha na minha vida real do que aqui”.
Logo fica claro que Cheryl faz essa trilha numa tentativa de superar seus limites e reinventar sua vida, até então destruída. Ela chega ao fundo do poço, perde aquela que mais amou, magoa aqueles que mais a amaram. Então decide partir para o impensável, desafiar os limites do corpo e também superar os limites da alma. Falhou várias vezes e não quer falhar de novo. Precisa reencontrar a si mesma.
Alguns pontos merecem atenção: A trilha sonora maravilhosa, que consegue mesclar os sons diegéticos e não diegéticos de forma bela, embalando as cenas com leveza e profundidade na medida certa. O toque de intelectualismo nas citações motivacionais que ela escreve nos livros de registro pelo caminho. E as duas metáforas que sobressaem: a mochila insuportavelmente pesada, nas primeiras cenas do filme Cheryl quase não consegue levantar carregando-a, é um esforço intenso e chega a beirar o cômico, no entanto, com o passar dos dias ela vai se livrando do peso da mochila tornando-a mais leve, assim como a culpa que carrega por suas atitudes erradas, ao final ela consegue se perdoar. A outra metáfora é a raposa que a acompanha, seria ela a materialização de sua mãe? Fica a incógnita, fato é que a raposa vai com ela até o fim, um animal misterioso que aparece em momentos inesperados.
A combinação do diretor Jean-Marc Vallée (Clube de Compras Dallas), que está super em alta no cenário cinematográfico, com a atriz Reese Whtiterspoon foi perfeita. Reese possui um modo de atuar bastante condizente com o papel, além de, e principalmente, por possuir um rosto frágil e delicado. É paradoxal que sua personagem tenha sido uma pessoa capaz de tantos atos desprezíveis no passado, e mais ainda que aquele ser frágil conseguiria passar por tantos percalços físicos e emocionais para concluir a travessia, tudo isso com o agravante de estar sozinha. Reese tem se tornado mestre em atuar em papéis assim, sua fragilidade está sempre inibida pela personalidade forte de suas personagens, e consegue fazer isso com doçura. Em Wild, Hollywood mostra que nada é impossível de mudar, deixa uma lição de perseverança, e como era de se esperar não nos deixa insatisfeitos com o seu desfecho, acertando mais uma vez.