Depois de levar um Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante por “Steve Jobs”, Kate Winslet voltou às indicações, desta vez ao Oscar 2016. Ela disputa a categoria com Jennifer Jason Leigh (“Os Oito Odiados”), Rooney Mara (“Carol”), Rachel McAdams (“Spotlight”) e Alicia Vikander (“A Garota Dinamarquesa”).
No filme, Winslet encarna Joanna Hoffman, um Sancho Pança do quixotesco Jobs e único personagem capaz de lhe dizer duras verdades e seguir a seu lado. “Conversar com ela [Hoffman] foi fascinante, até porque ela nem sempre concordava com todas as ideias de Steve Jobs”, contou a atriz durante uma conversa com jornalistas, em Londres. “A primeira coisa que percebi é que ela jamais se intimidou por Steve Jobs. Ela nasceu na União Soviética, tem origem polonesa, era durona”.
Para a atriz, Joanna Hoffman foi um dos grandes personagens que criou. “É um cenário de sonhos: diálogos de Aaron Sorkin, interação com Michael Fassbender, dirigida por Danny Boyle. Eu quase nem prestei atenção no tema central do filme, para ser bem honesta. Eu queria era estar naquele set”.
Você ainda se lembra de seu primeiro computador?
Kate: Eu nunca tive um [risos]. Eu não preciso de um, definitivamente [mais risos]. Mando fotos através do meu celular e pronto.
Você concorda que Steve Jobs alterou para sempre a maneira como nos comunicamos?
Ele modificou a comunicação entre pessoas como poucos na história. Foi uma pessoa extraordinária, com uma visão única. Eu, por exemplo, amo meu Blackberry mas chegou um momento em que eu simplesmente não podia mais usá-lo, passou a ser incompatível no mundo da informação por ele moldado. Como ter um Blackberry e um iPad?
Esta homogeneização de todo um setor do mercado de consumo a preocupa?
Sim, você anda por qualquer corredor e lá estão as pessoas olhando fixas para seus iPhones. O que me preocupa são nossas crianças crescendo e nos vendo basicamente o dia todo nesta posição [ela inclina-se em direção ao celular]. A gente quase dá um beijo de boa noite nestes aparelhinhos. Quase sempre é com eles nosso último suspiro de comunicação antes de dormirmos. Isto não está certo, né?
Você conversa com sues filhos sobre esta tema?
Sim. Meu filho de 11 anos não tem um celular ou qualquer tablet. Minha filha de 15 anos tem um iPhone, e aí explico os aspectos favoráveis e os não tão bons assim dos aparelhos. Ela não tem acesso a redes sociais, não tem perfil no Facebook, apenas pode usar o celular para ligar para os amigos ou mandar mensagens de texto. Temos um Instagram familiar, para todos nós, e está de bom tamanho. Não vejo a real necessidade de expor sua vida, especialmente de uma adolescente, que está desenvolvendo sua identidade e sua percepção do mundo, nas redes sociais. Não quero que minha família viva sua vida baseada na ideia de as pessoas gostarem ou não de nosso cachorro ou que comecemos a contar quantos likes o novo corte de cabelo dela teve, entende? Isso é errado.
Também não deixo meus filhos acreditarem que os sets de filmagens são lugares ordinários, em que eles podem ir quando quiser ao bel-prazer deles. Não, é um prêmio. Se estão bem na escola, podem vir um dia ou dois e prestar atenção me tudo. Os dois, aliás, falam do interesse em se tornarem atores. Eles veem os sets como um local mágico, fascinante.
Quando você se percebeu confiante em si mesma?
Ah, foi necessário experiência, amadurecimento. O melhor aspecto de envelhecer é justamente o de não se precisar mais estar nem aí para a opinião dos outros. Podem falar o que quiserem de mim. Não dou a mínima. É fantástica esta reação. E, claro, ter sucesso em minha carreira me ajudou a ter mais confiança em mim mesma em todos os aspectos da minha vida. E tem os tapetes vermelhos todos, né?
Eles ajudam?
Olha, ou bem você aprende a andar neles confiante e sorridente, ou você acaba tendo uma experiência aterrorizante depois da outra.
Sobre o filme, você conversou com a Joanna Hoffman de carne e osso sobre a transformação causada pelas criações de Steve Jobs na maneira como todos nós interagimos e suas implicações sociais?
Sim. Conversar com ela foi fascinante, até porque ela nem sempre concordava com todas as ideias de Steve Jobs. O time dele na Apple era imenso e, ao contrário do que se imagina, ele ouvia com atenção os colegas e tinha, sim, um caráter colaborativo. Para Steve, Joanna era uma amiga e a voz da razão. Era alguém capaz de vê-lo como um ser humano, não uma máquina. E a primeira coisa que percebi é que ela jamais se intimidou por Steve Jobs. Ela nasceu na União Soviética, tem origem polonesa, era durona. Eu lembro de perguntar: ‘Ele era amedrontador?’ E ela: [fazendo voz nasalada e aguda de Hoffman, com forte sotaque]: ‘Não! Não mesmo! Não sei quem criou este mito’.
Ela dizia que ele podia ser difícil, e que lembrava, às vezes, um típico ‘frat boy’ de universidade americana. Ela contou várias histórias envolvendo Jobs em que ele era um personagem sempre afetuoso, engraçado, carinhoso mesmo.
Você pode contar uma destas histórias?
Não [risos]. Mas, por exemplo, ela se virou para o Michael [Fassbender] e disse: ‘você não parece nada com o Steve, você sabe disso, né?’. E se virou imediatamente para mim e disse: ‘em compensação, você… é que não tem nada a ver comigo mesmo!’ [risos]. Ela tem este humor. E ela seguiu, com Michael: ‘O que vocês precisam encontrar é o look. Steve tinha este jeito de encarar você que acabaria levando o interlocutor a concordar com a ideia dele, qualquer que fosse’. Ela queria que Michael encontrasse o magnetismo dele.
E foi importante para você encontrar este tom de voz agudo, marca registrada dela, não?
Crucial. A voz dela sobe e desce o tempo todo. Fazê-la tal qual a realidade seria complicado para os ouvidos do público por duas horas. Fui a um meio-termo. Mas foi complicado, viu? Ela cresceu na Polônia, morou na Armênia, terra da mãe dela, por um tempo na infância, e foi parar nos Estados Unidos por conta própria, ainda adolescente. E ela me dizia: ‘olha, eu misturo tudo, russo, polonês, armênio, inglês’. E o ritmo da fala era claramente americano.
Não foi fácil, eu quase fiquei maluca durante o tempo em que treinei com um professor de dialetos [risos]. Eu e Michael filmamos enquanto andávamos com um dispositivo de áudio escutando as vozes reais de nossos personagens, algo insano. Imediatamente antes de começar olhávamos um para o outro e eu inevitavelmente dizia: ‘Michael, esta maldita voz!’ [rindo muito].
Além da voz, o que há de tão especial neste personagem?
Foi um dos grandes personagens que criei. É um cenário de sonhos: diálogos de Aaron Sorkin, interação com Michael Fassbender, dirigida por Danny Boyle. Eu quase nem prestei atenção no tema central do filme, para ser bem honesta. Eu queria era estar naquele set. E aí tudo foi incrível: os ensaios, Joanna, não estou sendo exagerada ao dizer que estes foram alguns dos dias mais eletrizantes de minha vida de atriz. Absolutamente incomparável.
Como foi sua primeira conversa com Danny Boyle?
Eu disse a ele que sabia ser muito diferente fisicamente da Joanna, mas que também não parecia nada com Hanna Schmitz de “O Leitor” [pelo qual ela ganhou seu Oscar de melhor atriz]. E que eu estava disposta a desaparecer dentro deste papel, que seria uma surpresa para as pessoas. Se você prestar atenção, não há imagens minhas de Joanna enquanto filmávamos. Quis manter a mágica de ser o mais convincente possível, sem fuzuê algum, ir lá e fazer meu trabalho.
É um papel interessante para uma atriz em Hollywood também pelo fato de ela não ter qualquer envolvimento romântico, mas uma parceria profissional com o protagonista.
Exatamente, e preciso enfatizar que 2015 parece ter sido um ano excepcional para grandes interpretações femininas em papéis que fogem do comum. E em relação a Joanna, nunca vi antes uma dinâmica assim no cinema americano, em que o protagonista precisava mais dela do que vice-versa. Eles eram iguais, o que eu de fato apreciei.
Como foi a reação da Joanna?
Ela me mandou um e-mail dizendo que havia gostado do filme imensamente e da alegria pessoal que foi ver Fassbender mostrando o calor humano de Steve Jobs na tela. Isso me emocionou.
Você vê “Steve Jobs” como história real ou uma bela peça de ficção dramática?
O Aaron [Sorkin] sempre diz que, antes de saber o que ele de fato queria fazer, ele sabia o que não queria fazer com o livro do Isaacson. E ele não queria fazer uma cine-bio clássica. “Steve Jobs” é uma livre adaptação de um livro que não foi apenas liberado por Steve e sua mulher, mas encomendado por eles. E há aspectos que a família de fato não gostou, tenho certeza de que será difícil para eles verem, se um dia decidirem fazer isso, o filme. Há muita imaginação também. Por exemplo, Joanna não trabalhou para Steve por 14 anos, e sim por cinco, mas e daí? Aaron diz que “Steve Jobs” não é uma fotografia, mas uma pintura. É isso.