“Amores Urbanos” chegou aos cinemas dia 19 como artigo raro na filmografia nacional. Enquanto as mulheres continuam sendo mal representadas no cinema –da coordenação de projetos aos diálogos do roteiro–, a diretora Vera Egito subverteu a lógica em seu primeiro longa-metragem.
Aqui, elas comandam a fotografia (Camila Cornelsen), som (Carol Barranco), montagem (Fernanda Franke Krumel), figurino (Ana Wainer), direção de arte (Lorena García), produção (Ducha Lopes e Andrezza de Faria) e o protagonismo da história (Maria Laura Nogueira, na pele de Julia).
Não que a diretora buscasse um filme feminista. “Fiz o que os homens já fazem. Fui juntando minhas amigas”, conta Egito.
Homem mesmo, só na produção. “E é claro que a gente ria muito da cara dele”, diverte-se.
A história é sobre três amigos, que moram no mesmo prédio de classe média em São Paulo. Eles dividem noites de bebedeira e baladas, mas também tentam lidar com seus relacionamentos tortos. Enquanto Diego (Thiago Pethit) guarda uma relação problemática com a família e foge de um compromisso com um peguete, Micaela (Renata Gaspar) tenta entender porque a namorada (Ana Cañas) não a apresenta para os amigos. Júlia (Maria Laura Nogueira), a única hetero do grupo, sofre com uma desilusão amorosa e a falta de rumo na vida moldada pelos filtros do Instagram.
É neste ambiente em que mulheres e gays têm todo o tempo de fala –o que gerou certo desconforto quando o filme foi exibido em abril no Festival de Cinema Brasileiro em Paris.
Um espectador perguntou para alguém da equipe se Vera era também gay (a diretora é casada com o cineasta Heitor Dhalia, com quem tem uma filha de quatro anos). “É que ela só falou mal de homem”, justificou o indivíduo.
“O homem hetero só consegue ver ele próprio. Ele não está acostumado a ver um filme em que ele não é o assunto. Eu estou, desde que nasci. É o mocinho, é o herói, é o Indiana Jones. A mulher é um extra”, observa.
Filme exceção
O filme é a exceção que comprova a regra. Estudo divulgado pela Ancine no final do ano passado mostra que as mulheres ainda não desempenham papéis de chefia na produção e apenas 16,5% dos 1.211 filmes lançados desde a retomada do cinema nacional, em 1995, tinham direção exclusivamente femininas.
A produção também passa com folga no teste Bechdel, criado para medir se um filme é livre do preconceito de gênero. O teste questiona se uma obra de ficção possui pelo menos duas mulheres que conversam entre si sobre algo que não seja um homem. São poucos os filmes que passam no teste, aparentemente tão banal.
“Os filmes dirigidos por mulheres viram pelo avesso a estatísticas, 90% dos filmes respondem a essa pergunta”, explica Vera. “A minha personagem principal tem trabalho, tem família, tem mil questões que não são só sobre homens. A importância é de fazer um retrato mais real das mulheres, nem melhor, nem pior”, defende.
Inspirado em vivências pessoais, Vera pensou duas vezes em lançar o filme em um momento de pautas conservadoras. “Um ser humano falou que não era algo normal… Esses maníacos religiosos, essas pessoas loucas”, comenta. “Mas depois pensei: ‘é bom, estou falando de amor, de encontros e desencontros do amor, que ocasionalmente são homens com mulheres, ou mulher com mulher, tanto faz”.