Por obra do acaso, dois pilotos surgiram em um intervalo curtíssimo de tempo na galeria de personagens de Gabriel Leone. O primeiro foi Alfonso de Portago, de Ferrari. No longa dirigido por Michael Mann (O último dos moicanos e Ali), o personagem de Gabriel, um anglo-espanhol com origens aristocráticas – e um coadjuvante de peso na trama –, entra para a equipe de pilotos de Enzo Ferrari (Adam Driver), que vê seu império automobilístico perto da falência, em 1957.
Ao mesmo tempo, Enzo se divide entre a ex-mulher (Penélope Cruz, em uma atuação cotada para o Oscar) e o luto pelo único filho do casal, e a amante (Shailene Woodley) e a criança que tiveram juntos. A corrida pela Itália que Alfonso participará – e uma necessária vitória – é uma maneira de Enzo revitalizar seu império.
Depois de um pit stop, Gabriel voltará ao streaming para interpretar Senna na série homônima da Netflix. O ator soube que interpretaria o piloto de Fórmula 1 em meio às gravações de Ferrari, em Módena, em 2022. “Foi totalmente uma coincidência”, contou à revista ‘ELLE’.
Depois da estreia internacional, o ator de 30 anos (e já 15 de carreira) aguarda o lançamento desses outros três trabalhos, enquanto costuma postar no Instagram o que assistiu de bom ultimamente. Da temporada recente de filmes, elege Anatomia de uma queda (e a atuação da alemã Sandra Huller), Pobres criaturas (“Yorgos Lanthimos é um diretor que eu acompanho há um tempão, vi tudo dele”) e The Bear (“Pirei”) no streaming.
Você já estava pensando numa carreira internacional: estudou inglês na pandemia e contratou um empresário internacional. Mas como surgiu o papel em Ferrari?
Eu já vinha trabalhando com uma empresária nos Estados Unidos, fazendo alguns testes pontuais. Mas, na verdade, o teste para o Ferrari chegou através do Rodrigo Teixeira, que é um produtor de cinema, um grande parceiro e amigo meu. Ele estava em Cannes com um filme que coproduziu e cruzou com um agente, que sabia que ele tinha uma relação com atores latinos. O Rodrigo falou de mim, mostrou uma foto minha para esse cara, que é muito amigo do Michael Mann. O agente lembrou que ele estava em busca de um ator com esse perfil. Mandou para o Michael, que pediu uma self-tape (uma gravação como teste) minha.
Isso chegou para mim com urgência. Tive que gravar no dia seguinte e fiz, inclusive, duas cenas minhas que estão no filme. E recebi a resposta que tinha sido aprovado em uns dois dias. Uma semana depois, conheci o Michael por vídeo. Ele já estava na Itália, fazendo a pré-produção. Um mês depois, eu já estava lá para começar os ensaios e rodar o filme. E aí entendi que o meu personagem foi o último a ser escalado. As coisas, os astros se alinharam.
Não é fácil para um ator contracenar em uma língua que não é a sua. Como foi lidar com esse desafio?
Foi a primeira experiência em que tive não só que atuar, mas ser dirigido em inglês. Foi uma experiência muito importante para mim. Foram quatro meses morando e trabalhando na Itália. E não quis nem saber do italiano. Fiquei muito focado no inglês para não misturar as coisas. Diria que fiquei bem orgulhoso com o resultado, sendo a primeira experiência que tive.
O Michael sempre me deu muita confiança, sempre falou: “Você foi feito para esse personagem, e ele foi feito para você”. Alfonso era espanhol, mas nasceu na Inglaterra, cresceu na França e nos Estados Unidos, falava um inglês bom, mas com um sotaque meio indecifrável, meio como é o brasileiro. O Michael definiu então que seria o meu próprio sotaque. Então, não precisei me preocupar com isso. A gente tinha um dialect coach (treinador de dialeto), um cara que trabalhou comigo e também me deu segurança. Lembro que quando assisti ao filme pela primeira vez, eu estava meio nessa: “Vou me ver falando inglês pela primeira vez, como vai ser isso?”. E fiquei feliz com o resultado. Acho que consegui conectar as minhas emoções e o que queria fazer em cada cena, mesmo falando inglês, sabe?
Aos 30 anos você já é um ator experiente no Brasil, mas sentiu um pouco do impacto desse primeiro “set hollywoodiano”?
Sou louco pelo cinema do Michael, e a mesma coisa com o Adam (Driver) e com a Penélope (Cruz). Então, foi incrível chegar pela primeira vez, sentar naquela mesa de leitura ao lado deles. Mas ao mesmo tempo, como você bem falou, não cheguei ali à toa, né? Venho trabalhando e construindo minha carreira há 15 anos, desde que comecei no teatro. Fiz um teste, fui aprovado. Tenho um trabalho construído e eu tenho isso muito firme dentro de mim. Sabia que fui escolhido. E eu estava ali para trabalhar tanto quanto qualquer outro ator, independentemente de já ter bagagem em Hollywood ou não. Todos me receberam muito bem, foi um processo incrível.
O que você aprendeu com o Michael Mann ou com o Adam Driver e que provavelmente você vai lembrar em um próximo projeto?
Boa parte das minhas contracenas foram com o Adam. Não só o jogo que a gente teve foi muito legal, mas vê-lo talvez no personagem mais diferente da carreira dele, muito mais velho que ele, com um tempo de preparação muito grande, por conta das próteses, de peruca, de pele, etc. E a energia que ele trouxe para o personagem, o sotaque italiano, a forma como ele usou o corpo dele…
Tem uma cena no filme em que ele dá um discurso grande para todos os pilotos, mas muito direcionado para o meu personagem. É um monólogo gigante. Vi que ele repetia aquele texto sei lá quantas vezes, das maneiras mais diferentes, experimentando intenções e movimentos diferentes. Então, foi incrível não só contracenar, mas poder estar perto vendo o ator que ele é. Michael é um diretor que gosta muito de repetir os takes e experimentar coisas diferentes. Quando entendi o processo dele, virou um exercício, um aprendizado diário. Às vezes, a gente começava num ponto, dava a volta, experimentava coisas para voltar ao ponto inicial.