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Comecei minha jornada atrás de Chloé Zhao em janeiro, no calor das múltiplas indicações que ela e Nomadland já estavam começando a acumular. Foram muitas tentativas, uma intensa negociação, até que consegui finalmente marcar um Zoom com Chloé no mês passado.
Imaginava que, pela dificuldade do contato, ela seria, de algum modo, uma pessoa difícil. Completo engano meu: a diretora me atendeu calorosamente de sua casa em Ojai, uma pequena cidade ao nordeste de Los Angeles, onde vive com dois cachorros, três galinhas e o namorado (e diretor de fotografia de seus filmes), Joshua James Richards.
Despojada, vestia uma camiseta tie-dye, super-hippie vibes, e pronta para uma boa conversa. “Fiquei muito orgulhosa por ter sido indicada, ao lado de Emerald Fennell (do filme Bela Vingança). Senti que estava acontecendo uma mudança nos últimos anos. Espero que isso seja apenas o começo”, me conta, entusiasmada.
Este ano, pela primeira vez na história, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do Oscar, indicou duas mulheres na categoria melhor direção [e Chloé, que acabou levando, se tornou a primeira chinesa a ganhar essa honra por Nomadland, (em cartaz nos cinemas mas ainda sem previsão de estrear no streaming no Brasil)].
No momento em que o asian hate está tomando os EUA, a cineasta também acabou se tornando, para a Academia e para o grande público, símbolo de toda uma geração de asiáticos-americanos. Chloé tem consciência disso. “Pessoas com tanto ódio dentro delas odeiam a si mesmas. A única maneira que temos de sobreviver como espécie é tentar entender o mundo sob a perspectiva do outro”, refletiu a diretora na coletiva de imprensa que concedeu logo após ter ganhado dois Globos de Ouro, de melhor direção (o primeiro para uma mulher asiática) e melhor filme.
Nomadland é o terceiro longa dirigido por Chloé e foi inspirado no livro-reportagem Nomadland – Surviving America in the Twenty-First Century, de Jessica Bruder, um estudo sobre pessoas que perderam tudo após a crise econômica de 2008 e adotaram um estilo de vida nômade. “O livro é uma colagem de histórias e personagens. Trata de um sentimento coletivo de perda: de uma comunidade, de um emprego, de uma estabilidade, e o que essas pessoas fizeram para descobrir um novo sentido para suas vidas”, explica a diretora. “Precisava criar um personagem cuja jornada pessoal representasse esse sentimento. Foi assim que surgiu Fern.”
Fern (papel de Frances McDormand) é uma mulher de 60 e poucos anos que, após a morte de seu marido e do fechamento da indústria onde ele trabalhava – o que transforma o município onde vive em uma cidade-fantasma –, decide partir para uma viagem sem volta pelo mítico Oeste norte-americano, adotando um estilo de vida nômade.
Frances, indicada ao Oscar por esse trabalho, contracena com personagens reais (tirados do livro de Jessica) interpretando versões deles mesmos. “O que torna Frances uma atriz sensacional não é apenas seu talento, mas sua habilidade de estar sempre presente”, comenta Chloé sobre o impressionante desempenho da atriz. “Muitas vezes os atores não profissionais fugiam do script, e Frances tinha que reagir na hora como seu personagem. Acredito que foi isso que deixou essa interpretação tão especial”, completa.
Apesar de produzido por um grande estúdio (Searchlight Pictures), o longa explora temas pouco comuns para Hollywood: o sentimento de perda, o desolamento, sem nenhum espaço para um final feliz. “Meus filmes sempre trataram da solidão e de pessoas que gostam de estar sozinhas. Acredito que, para você realmente se conectar a algo, é preciso um certo isolamento. A jornada de Fern é sobre perdas e ganhos, luto e cura. E, muitas vezes, a melhor maneira de estar em paz consigo mesmo, é através da solitude”, pondera.