Na sexta, dia 22 de outubro, a Netflix disponibilizou os sete episódios da terceira temporada de Black Mirror. A série, aclamada por público e crítica desde o lançamento, em 2011, é uma antologia de episódios que retratam, sempre com histórias e atores diferentes, possíveis influências negativas da evolução da tecnologia na sociedade.
As comparações frequentes com a série clássica “Além da Imaginação” não são exagero. Black Mirror tem como característica a capacidade de gerar uma espécie de paranoia tecnológica, uma angústia relacionada à maneira como a interface digital está se fazendo presente de maneira determinante em todos os âmbitos da vida em sociedade.
“Se a tecnologia é uma droga – e parece mesmo ser uma – então quais são precisamente os efeitos colaterais? Esse espaço – entre apreciação e desconforto – é onde Black Mirror […] está localizada. O ‘espelho negro’ do título é o que você encontrará em todas as paredes, mesas, nas palmas das mão: a fria e brilhante tela de uma TV, um monitor ou um smartphone.”
Os efeitos de Black Mirror
Relatos de angústia, ansiedade e nó na garganta foram comuns nas postagens que, ao longo do fim de semana pós-estreia, debateram os novos episódios da série nas redes sociais. A terceira temporada dialoga com as anteriores e, nesse sentido, também provoca uma reflexão sobre hábitos tecnológicos que tomamos como comuns e inofensivos.
O primeiro episódio, “Nosedive”, já é bastante eficiente em causar mal-estar. Com paleta de cores predominantemente em cores pastéis, mostra uma realidade não muito distante da nossa, em que todos precisam parecer incríveis e felizes o tempo todo para ganhar boas classificações daqueles com quem interagem.
Na distopia retratada em “Nosedive”, seu “score” nas mídias sociais é determinante para seu papel na sociedade. Os que mantêm notas altas têm privilégios: filas especiais, salas VIP, descontos no aluguel e são rodeados de amigos. Notas baixas, no entanto, afastam oportunidades e pessoas.
O episódio escancara os riscos de deslizarmos para um mundo em que nossa popularidade nas redes sociais seja um fator oficial de valorização ou desvalorização do indivíduo e, como resultado, transmite com sucesso a ansiedade de viver em um mundo pautado por dinâmicas dessa natureza. E essa angústia não é fruto da ficção apresentada nas telas, mas da facilidade em comparar o episódio ao nosso dia-a-dia.
Além disso, a notícia de que a China pretende manter uma “nota” de seus cidadãos de acordo com comportamentos e hábitos, divulgada pela revista The Atlantic, é quase como a profecia sombria de Black Mirror se tornando realidade. Não é a primeira vez que uma premissa assustadora de um episódio da série ganha um correspondente à vida real.
Os outros episódios dessa temporada tratam dos desdobramentos sombrios de realidade aumentada nos games, das consequências extremas de ter suas informações pessoais vazadas para terceiros, dilemas sobre vida, morte e transcendência da consciência humana para máquinas, tecnologia usada para promover guerras étnicas e efeitos de linchamento virtual.
“Um dos grandes trunfos de Black Mirror é que te faz sentir muito mal sobre para onde alguns dos aspectos mais mundanos da sua vida podem te levar em 10 anos – seu smartphone, sua conta no Facebook, sua TV. Tudo isso pode acabar levando a um pesadelo social coletivo.”
Por esses motivos, as resenhas sobre Black Mirror na imprensa e nas redes sociais – não só dessa última temporada – são semelhantes. Elas descrevem uma ressaca e a necessidade de digerir os dilemas e conflitos propostos pela série. Talvez por esse motivo, ao contrário de outras séries, seja difícil assistir muitos episódios de uma vez.
Black Mirror incomoda e perturba porque mostra mundos, cenários e comportamentos claustrofóbicos e preocupantes, que cabem no universo ficcional, mas são, ao mesmo tempo, muito próximos da realidade em que vivemos. São consequências possíveis, e em um prazo curto, dos comportamentos sociais que adquirimos em razão dos avanços tecnológicos.