Após vinte anos escrevendo sobre cinema, o jornalista Miguel Barbieri Jr. já perdeu as contas de quantos filmes viu.
Escrevendo para a ”Veja São Paulo”, ele é o titular do ”Blog do Miguel”, já foi jurado de festivais e também comanda um canal no Youtube onde entrevista personalidades.
Confira essa entrevista exclusiva com um dos maiores críticos de cinema do Brasil:
1. Miguel, queria começar perguntando se você sempre quis ser crítico de cinema. Como surgiu sua paixão pelo jornalismo e pelo cinema?
Sempre gostei de ir ao cinema desde criança. Já adolescente, pegava o ônibus sozinho e ia para os cinemas de rua que ficavam na Vila Mariana, não muito distante de onde eu morava. Como nunca fui uma criança ligada em esportes e brincadeiras de rua, o cinema e a TV eram minhas companhias. O jornalismo e a crítica surgem por acaso, mesmo (risos). Eu prestei vestibular para arquitetura e também publicidade, mas só passei no jornalismo da PUC (coisas do destino). Na faculdade, meu TCC foi um filme em super-8 que fez sucesso entre os professores e até ganhou um prêmio num festival de Campinas. Como a faculdade vivia em greve (início dos anos 80), eu ia para o cinema. Assim que me formei, morei um ano em Paris e, lá, me aprofundei em filmografias de diretores como Fassbinder e Wim Wenders. Na volta, comecei a trabalhar como produtor de cinema publicitário. O jornalismo/crítica só entrou na minha vida dez anos depois de formado, também por acaso, por um convite de uma amiga que estudou comigo e era editora de cultura do jornal ”Diário Popular”. Ah, nesse meio tempo, durante doze anos, eu tive uma videolocadora, que foi onde eu vi muuuuitos clássicos.
2. Você escreve para a ”Veja São Paulo” e trabalha como crítico tem muitos anos. O que mudou desde o começo da sua carreira até hoje, com a facilidade da internet e a forte presença da Netflix nos lares brasileiros?
Mudou muita coisa. Por exemplo, os materiais de divulgação. No início, a gente recebia fotos em papel dos filmes. Depois, vieram os cromos (slides) e, enfim, as fotos digitais. Quando queria pesquisar algo, ainda no Diário Popular ou na editora Abril, seja uma filmografia ou a data de morte de um diretor, eu tinha de ir ao arquivo do jornal e tentar encontrar nas edições antigas, ou nos livros (do Rubens Ewald Filho, por exemplo). A internet muda tudo. O IMDB, nossa “Bíblia”, é uma maravilha. Com apenas um clique, encontramos informações a respeito de tudo. O streaming, como Netflix ou Amazon, é a videolocadora dentro de casa, uma facilidade incomparável. Tem uns nostálgicos que têm saudades da locadora física, eu acho que me adaptei aos tempos modernos, embora não me desfaça dos meus DVDs e Blu-rays porque não é tudo que existe no digital, ao menos legalmente. As lives, que eu faço há uns 5 anos, me aproximaram de seguidores. Talvez seja o meu maior prazer – ter este contato semanal e poder indicar um filme e ter um feedback na hora das pessoas.
3. Nesses tempos de pandemia, onde os cinemas estão fechados, como você adaptou seu trabalho?
Meu trabalho aumentou demais! Antes, cobrindo as estreias de cinema e dando uma ou outra dica de streaming, era um trabalho com um número X de lançamentos. Hoje, com a pandemia e as pessoas em casa, preciso buscar filmes e séries (novos e antigos) para indicar. Muitas vezes, perco tempo vendo um filme e, lá no final, vou constatar que não rolou, não vai servir para nada. E são muitas dicas porque são mais páginas na revista do que antes da pandemia. E, quase sempre, estas dicas precisam estar linkadas com listas para que as pessoas tenham vontade de clicar nos posts do blog. Dificilmente, uma pessoa clica para ler a crítica de UM filme, mas, se você faz um título com 20 dicas, a probabilidade aumenta muito.
4. Quais foram os filmes/séries mais interessantes que você assistiu nesses meses de distanciamento social?
Vi uma quantidade absurda de filmes e dei (e estou dando) muitas dicas. Sou suspeito porque gosto muito de documentários e séries documentais e acho que é o que tem de mais interessante entre as novidades da Netflix. Gostei muito de ”A Máfia dos Tigres”, ”Ligue Djá”, o documentário sobre Jeffrey Epstein; de programas de realities, vi ”Instant Hotel” e ”Restaurantes em Risco” (algo que jamais veria sem ser na pandemia!). De filmes, ”As Ondas”, ”O Chalé”…
são vários.
5. Que dicas você daria para alguém que quer começar a carreira de crítico? Se quiser pode indicar algum material/livro também.
Não sou muito didático. Sou muito intuitivo, embora, claro, para ser crítico é preciso ter uma noção do todo. Mas eu acho que o que mais conta é a bagagem cultural e cinematográfica. Quando mais se assiste, mais se entende e mais se gosta. É não ter preconceito com gêneros ou diretores/atores. Ou seja: minha dica é ver muito filme, mas não essas bobagens recentes, filmes de super-heróis (nada contra) e, sim, ir na fonte, nos clássicos, Bergman, Fellini, Billy Wilder, Pasolini, Visconti…
6. Já passou por alguma situação engraçada/curiosa em algum festival/coletiva de imprensa/entrevista? Se sim, como foi?
Por incrível que pareça, eu cobri muito pouco festival (nenhum estrangeiro). Como trabalho há mais de 20 anos na Vejinha, meu foco está na cidade de São Paulo. Mas já foi jurado duas vezes, de Paulínia (já extinto) e de Gramado, e sempre fui bem tratado. Sempre que algum artista me concede uma entrevista, eu agradeço! São pessoas importantes, ídolos até, então eu sempre vou humilde e desarmado, que é para deixar o artista à vontade. Criei a “entrevista-selfie” que dá uma proximidade com o entrevistado e provoca uma intimidade – e eles adoram o formato (estão no meu canal no YouTube). Mas, recentemente, entrevistei uma atriz, fiz uma pergunta de cunho político. Em seguida, pediu para a assessoria me pedir para apagar o trecho.
7. Ser crítico de cinema é, para muitos, uma das melhores profissões possíveis. Qual a parte mais legal e a mais difícil do seu dia a dia?
A parte mais legal é adorar/amar o que eu faço. Não me importo de ver um, dois, três filmes no fim de semana (e não ser pago em hora extra para isso). Adoro descobrir filmes “escondidos” nas plataformas e dar estas dicas para as pessoas. Ou de falar com gosto nas minhas lives sobre um diretor que admiro e incentivar as pessoas a verem seus filmes. Acho que é algo educacional. A parte chata é que o trabalho se confunde com o lazer, ainda mais agora com o isolamento social. Enquanto a maioria termina o trabalho e vai se distrair vendo um filme/série, eu estou trabalhando o tempo todo.
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