Cineasta e documentarista, o carioca Joel Pizzini já dirigiu os filmes Dormente (2005), 500 Almas (2004), Glauber Rocha (2004) e Caramujo-Flor (1988). Antes de ser diretor, atuou também como assistente de direção de Sylvio Back no longa ”Guerra do Brasil”.
Nessa pequena entrevista, Joel fala sobre seu novo trabalho, o poético “Olho Nu”, no qual presta uma homenagem ao cantor Ney Matogrosso.
Confira:
1. Você já realizou filmes e documentários. Poderia falar um pouco sobre as diferenças entre os dois processos? Você tem algum favorito?
Creio que meu cinema seja ensaístico, híbrido, flertando ao mesmo tempo com a linguagem dita documental no afã de romper limites e categorias. Persigo uma subjetividade objetiva, a recriação da memória levando-se em conta sempre a força do imaginário, do mito.
Como diz o Jean Luc Godard, ”o melhor filme de ficção é aquele que se parece um documentário e o melhor documentário é o que se parece com uma ficção”. O que me importa ao meu ver é a experiência vivenciada, a busca do sentido da transcendência.
2. Durante a coletiva de imprensa, percebi que você parecia bastante feliz e emocionado com a estreia de ”Olho Nu” no grande circuito. O que esse projeto significa pra você?
Olha eu acredito muito na máxima do poeta-filósofo Oswald de Andrade que sonhava um dia “fabricar biscoito fino pras massas”. Todo artista no fundo aspira isto, diluir esta arbitrária fronteira entre o “cultural” e o “comercial”.
O Olho Nu, sem abrir mão da linguagem me parece que passou nesta prova dos nove e o público tem assimilado bem as experiências que realizamos no filme, como a não linearidade, a ruptura da relação causa-efeito e a coexistência de tempos contrários na montagem, que é circular e desblocada. Estou entusiasmado com esta abertura e a resposta do público que percebeu a proposta do filme.
3. Ainda durante a coletiva, você disse que, entre idas e vindas, o filme levou 5 anos pra ser finalizado. Em algum momento você pensou em desistir? Qual é a sensação de levar tanto tempo juntando e editando um material tão vasto quanto o do Ney?
É um desafio e tanto fazer um recorte neste vasto e precioso material. O consolo é que estamos realizando uma série para o Canal Brasil que reunirá imagens que não pudemos utilizar no filme, amplificando assim a abordagem. Se o Olho Nu aposta na evocação, a série por sua vez vai valorizar mais a informação, revelando aspectos mais prosaicos que não cabiam no tratamento cinematográfico. É como se abríssemos janelas no filme para revelar o que está ao lado e por traz das motivações estéticas e políticas deste artista tão emblemático para a cultura brasileira.
A série será mais cultural que artística, mostrando o homem, seu pensamento, antes e depois do palco.
4. O Brasil é um país de muitos talentos. O que levou você a escolher o Ney como estrela maior do seu filme?
Inicialmente, com Caramujo-Flor escolhi o Ney para protagonizar o meu ”filmensaio” que recriava a obra do poeta Manoel de Barros mas desta vez fui escolhido pelo Ney e Paulo Mendonça, um dos letristas dos Secos & Molhados (a letra do Sangue Latino, por exemplo é uma parceria dele com o João Ricardo) e diretor do Canal Brasil que chegaram a meu nome, para traduzir o universo artístico e existência deste supervivente que é o Ney. Uma missão e tanto, por tudo que representa o Ney para a história latino-americana. Um encontro portanto, que espero se frutifique mais ainda em outras abordagens.
Quando começamos a rodar o Olho Nu a primeira pergunta do Ney foi: você guardou o material bruto do Caramujo-Flor? (ele lembrava de todas as imagens que ficaram de fora da edição). Por sorte e obsessão carreguei as latas (o filme foi rodado em 35mm) em todas as mudanças e recuperamos então todo estas potentes imagens feitas pelo fotógrafo Pedro Farkas em Bonito e no Pantanal que agora enfim foram aproveitadas em sua plenitude com o Ney no “melhor do seu azul”, parafraseando o poeta Manoel de Barros. Um luxo!
5. Você tem uma produtora, a Polofilme. Quais são seus próximos projetos? Algum novo filme, talvez uma série de tv?
No momento estou dedicado à realização da Série sobre o percurso do Ney, ao mesmo tempo que concebo uma instalação para o centenário do pintor gaúcho Iberê Camargo, que será mostrada a partir de novembro em Porto Alegre.
Finalizo ainda dois curtas-metragens e sigo minhas aulas de direção na Escola Darcy Ribeiro, FAP de Curitiba e PUC do Rio. Aguardo respostas também de editais para dar continuidade as minhas pesquisas de linguagem.